O Auto da Compadecida 2 (2024)
Uma celebração sem criatividade.
por Giovani Zanirati
O Auto da Compadecida 2 (2024)
Direção: Guel Arraes, Flávia Lacerda
Roteiro: Guel Arraes, João Falcão
País: Brasil
Nota: 7,5/10
Direção: Guel Arraes, Flávia Lacerda
Roteiro: Guel Arraes, João Falcão
País: Brasil
Nota: 7,5/10
O Auto da Compadecida (2000) é, sem dúvida, um dos maiores clássicos do cinema nacional, capaz de conquistar até os críticos mais céticos, geralmente inclinados ao pessimismo em relação à arte brasileira. Baseado na renomada peça teatral de Ariano Suassuna, o filme, que originou-se de uma adaptação para minissérie na Globo, em 1999, conquistou a audiência com uma combinação inusitada de humor, cultura e crítica social.
A história gira em torno de João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) dois personagens emblemáticos da pequena cidade de Taperoá, cujas artimanhas e malandragens servem como uma resposta irônica à desigualdade social, à miséria e à hipocrisia religiosa. Através de sua esperteza, João Grilo, com a ajuda do amigo, tenta garantir, ao menos, uma mínima dignidade humana em um cenário repleto de injustiças. Juntos, eles geram caos e vingança, com a morte de João sendo orquestrada por um cangaceiro.
Um dos momentos mais memoráveis do filme ocorre durante o julgamento de João Grilo, quando ele e outras figuras falecidas são julgados por Jesus, com o próprio Diabo presente. Essa sequência transcende a crítica social e entrega uma mensagem de otimismo e fé na humanidade. A ressurreição de João Grilo, realizada por Nossa Senhora, interpretada com maestria por Fernanda Montenegro, traz à tona a luta pela justiça e a busca por redenção. O retorno de Grilo à terra, ao lado de Chicó e da noiva Rosinha (Virgínia Cavendish) encerra essa jornada com um toque de esperança.
Aclamado como uma obra-prima do cinema brasileiro, a ideia de uma sequência foi recebida com ceticismo. Afinal, como poderia qualquer continuação estar à altura do legado do original? Assim como ocorreu com Cidade de Deus, o público teve que esperar exatos 24 anos para o lançamento da sequência, surge O Auto da Compadecida 2. A desconfiança era palpável, mas, contra as expectativas, o filme não apenas obteve um grande sucesso de bilheteira, como também gerou críticas mistas que, de certa forma, respeitaram o legado do primeiro filme.
O enredo do novo filme segue basicamente a premissa do original: João Grilo retorna a Taperoá após duas décadas na cidade grande. Sua imagem foi santificada devido às histórias contadas por Chicó sobre o "homem que enganou o Diabo" e foi ressuscitado. Agora, a dupla planeja tirar proveito dessa imagem, utilizando-a para manipular dois políticos locais que disputam a prefeitura da cidade. A trama insere novos personagens e traz uma análise sobre as relações de poder durante o período eleitoral em pequenas cidades, abordando as oligarquias, os monopólios familiares e a exploração da fé religiosa.
Embora o filme não traga grandes inovações em seu texto, a interação entre os personagens é o grande destaque. A química entre João Grilo e Chicó permanece impecável, com Matheus demonstrando prazer em seu trabalho. A performance de Humberto Martins e Eduardo Sterblitch, como os políticos rivais, também é eficiente, mantendo o tom humorístico por meio de atuações caricatas, como Edu que, para muitos, evocam lembranças do extinto programa Pânico na TV.
Entretanto, o filme apresenta alguns pontos fracos. A falta de desenvolvimento significativo para Chicó e os coadjuvantes é um dos maiores problemas. Enquanto no primeiro filme cada personagem possuía um arco bem desenvolvido, nesta sequência muitos deles são meros acessórios, como a filha do Coronel, Clarabela (Fabíula Nascimento), cuja participação é irrelevante. O retorno de Rosinha, que busca o sonho de ser caminhoneira, também soa forçado e não contribui de forma orgânica para a narrativa. Dessa forma, o desenvolvimento do arco de Chicó, que está associado as duas personagens, não atinge a profundidade do que é vivido por João Grilo e os dois políticos.
No entanto, o desfecho do filme, que faz referência ao clássico original, deixa uma sensação ainda maior de repetição e desconforto. Quem aceita pela simples nostalgia e homenagem pode vislumbrar este momento, que até reserva espaço para o talento do protagonista. Porém, à relação entre João Grilo e Nossa Senhora, com a participação de Thaís Araújo, perde impacto diante da presença da atriz, que não consegue reproduzir a intensidade de Fernanda Montenegro no papel. Pode ser injusto com ela, compreendo. Até porque não se trata da diferença de talento entre as duas, mas o próprio contexto simbólico, emocionante e engradado no primeiro em comparação ao plano sem vida trabalhado no segundo filme.
Outro ponto controverso é a escolha estética da produção, especialmente no que diz respeito ao cenário. Gravada em estúdio, a cidade de Taperoá parece artificial, o que compromete a imersão do espectador e cria uma sensação de estranheza. Apesar dessas falhas, o filme consegue entreter, especialmente durante os momentos em que João Grilo está cena, seja enganando os políticos, no melhor momento da obra, ao explorar o poder da manipulação e da astúcia. É uma obra divertida, mas que, infelizmente, não consegue alcançar a excelência do filme original. A falta de profundidade em alguns personagens e a repetição de certos elementos do primeiro filme acabam limitando seu potencial. Mesmo assim, o filme se mantém como uma obra interessante e respeitável dentro do contexto da cinematografia nacional.
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