Ainda Estou Aqui (2024)
O retrato da ditadura numa perspectiva minimalista.
por Giovani Zanirati.
Ainda Estou Aqui (2024)
Direção: Walter Salles
Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega
País: Brasil, França
Nota: 09/10
Direção: Walter Salles
Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega
País: Brasil, França
Nota: 09/10
Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, marca um ponto de inflexão significativo no cinema brasileiro. Além do êxito nas bilheteiras e da consagração nos principais festivais, o filme tem conquistado uma repercussão internacional crescente, abrindo portas para conquistas inéditas para o Brasil. A atriz Fernanda Torres, com sua brilhante performance, recebeu o Globo de Ouro como Melhor Atriz de Drama — uma vitória histórica para a arte brasileira. Graças ao esforço promocional da Sony, a produção também foi indicada a três categorias no Oscar, com destaque para Torres, que disputa a estatueta de Melhor Atriz com Demi Moore, estrela de A Substância (2024).
Vale ressaltar que Moore também foi premiada no Globo de Ouro, mas na categoria de Melhor Atriz em Musical/Comédia. No entanto, o Oscar não divide as categorias dessa forma, o que torna a disputa mais imprevisível. A produção brasileira ainda concorre ao prêmio de Melhor Filme Internacional, em uma indicação que evoca a memória de Central do Brasil (1998), outra obra de Salles que também obteve reconhecimento com a indicação de Fernanda Montenegro, mãe de Torres, ao prêmio de Melhor Atriz.
No entanto, o reconhecimento mais significativo e inédito para Ainda Estou Aqui é a candidatura a Melhor Filme, uma honraria rara para o cinema brasileiro. Embora a competição nas principais categorias seja difícil — e embora a credibilidade do Oscar, com o tempo, tenha sido questionada por muitos —, o impacto cultural da obra é inegável. Assim como Argentina 1985 (2022), que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023, o filme de Salles propõe uma reflexão essencial sobre a ditadura militar, ampliando a discussão sobre um período sombrio da história, em especial no contexto do avanço da extrema-direita e suas tentativas de revisionismo histórico.
Neste cenário, é crucial que o público compreenda a importância de se assistir Ainda Estou Aqui, para que o drama vivido por Eunice Paiva (Fernanda Torres) não seja desconectado da realidade social e política que marcou o período. A trama, embora profundamente pessoal, não pode ser dissociada dos impactos estruturais da ditadura, que afetou diretamente a classe trabalhadora e os mais pobres, com consequência, que ainda respingam na contemporaneidade. Se Argentina 1985 é mais cru e pesado, ao aborda de forma abrangente o regime militar no país, com o julgamento dos responsáveis pelos crimes, Ainda Estou Aqui opta por uma abordagem intimista, centrada na dor e na luta silenciosa de Eunice, que enfrenta a dor do desaparecimento de seu marido. Ao focar na perspectiva individual, o filme expõe, de maneira contundente, as implicações psicológicas e sociais da repressão.
Baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, filho do desaparecido político Rubens Paiva, o filme se passa no Brasil, em 1971. Naquele contexto, Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, vivia uma existência tranquila e afastada das turbulências políticas, até ser tragicamente capturado e morto pela repressão militar. Paiva, engenheiro e político filiado ao PDT, era um defensor de reformas progressistas e foi eleito deputado federal em 1962. Sua postura moderada não impediu que fosse alvo do regime militar após o golpe de 1964. Depois de um período exilado, ele retornou ao país e mesmo afastado de qualquer confronto real, ele foi preso sem mandato, torturado e, posteriormente, morto nos porões da DOI-CODI, centro do horror e da repressão do governo militar.
Vale ressaltar que Moore também foi premiada no Globo de Ouro, mas na categoria de Melhor Atriz em Musical/Comédia. No entanto, o Oscar não divide as categorias dessa forma, o que torna a disputa mais imprevisível. A produção brasileira ainda concorre ao prêmio de Melhor Filme Internacional, em uma indicação que evoca a memória de Central do Brasil (1998), outra obra de Salles que também obteve reconhecimento com a indicação de Fernanda Montenegro, mãe de Torres, ao prêmio de Melhor Atriz.
No entanto, o reconhecimento mais significativo e inédito para Ainda Estou Aqui é a candidatura a Melhor Filme, uma honraria rara para o cinema brasileiro. Embora a competição nas principais categorias seja difícil — e embora a credibilidade do Oscar, com o tempo, tenha sido questionada por muitos —, o impacto cultural da obra é inegável. Assim como Argentina 1985 (2022), que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023, o filme de Salles propõe uma reflexão essencial sobre a ditadura militar, ampliando a discussão sobre um período sombrio da história, em especial no contexto do avanço da extrema-direita e suas tentativas de revisionismo histórico.
Neste cenário, é crucial que o público compreenda a importância de se assistir Ainda Estou Aqui, para que o drama vivido por Eunice Paiva (Fernanda Torres) não seja desconectado da realidade social e política que marcou o período. A trama, embora profundamente pessoal, não pode ser dissociada dos impactos estruturais da ditadura, que afetou diretamente a classe trabalhadora e os mais pobres, com consequência, que ainda respingam na contemporaneidade. Se Argentina 1985 é mais cru e pesado, ao aborda de forma abrangente o regime militar no país, com o julgamento dos responsáveis pelos crimes, Ainda Estou Aqui opta por uma abordagem intimista, centrada na dor e na luta silenciosa de Eunice, que enfrenta a dor do desaparecimento de seu marido. Ao focar na perspectiva individual, o filme expõe, de maneira contundente, as implicações psicológicas e sociais da repressão.
Baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, filho do desaparecido político Rubens Paiva, o filme se passa no Brasil, em 1971. Naquele contexto, Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, vivia uma existência tranquila e afastada das turbulências políticas, até ser tragicamente capturado e morto pela repressão militar. Paiva, engenheiro e político filiado ao PDT, era um defensor de reformas progressistas e foi eleito deputado federal em 1962. Sua postura moderada não impediu que fosse alvo do regime militar após o golpe de 1964. Depois de um período exilado, ele retornou ao país e mesmo afastado de qualquer confronto real, ele foi preso sem mandato, torturado e, posteriormente, morto nos porões da DOI-CODI, centro do horror e da repressão do governo militar.
A figura de Eunice Paiva, vivida por Fernanda Torres, é central para o drama. A personagem, imersa em um mar de incertezas e sofrimento, busca incansavelmente seu marido e a segurança dos filhos, enfrentando a opressão de um regime que desintegra o tecido familiar e social. A luta dela cumpre um papel fundamental ao expor a violência do regime militar, que não poupou nem mesmo as famílias de classe média, aparentemente afastadas da luta política, mas igualmente vítimas do autoritarismo. O revisionismo contemporâneo, impulsionado por setores conservadores, tenta atenuar os danos causados pelo golpe de 1964, mas Ainda Estou Aqui reafirma a gravidade dos retrocessos que o regime impôs à democracia e aos direitos humanos.
A atuação de Fernanda Torres é, sem dúvida, um dos maiores destaques da produção. Sua interpretação, imersa em uma dor silenciosa, transmite uma força contida, mas imensa. Torres consegue traduzir a complexidade emocional de sua personagem com sutilezas que tornam a dor palpável — através de olhares vazios, expressões carregadas e a constante luta interna entre o sofrimento e a necessidade de seguir em frente, mesmo diante da falta de perspectivas. Já Selton Mello entrega uma performance sólida como Rubens Paiva, trazendo à tona o retrato de um homem que, apesar de sua postura política moderada, se vê tragicamente arrastado pela repressão.
Do ponto de vista técnico, Ainda Estou Aqui é exemplar. A fotografia, meticulosamente elaborada, transporta o espectador para a década de 1970, proporcionando uma representação visual precisa da época. O figurino e os cenários retratam fielmente o ambiente da classe média brasileira do período, enquanto o uso do espaço cinematográfico amplifica a tensão e a sensação de claustrofobia que permeia a narrativa.
O epílogo do filme, com uma emocionante participação especial de Montenegro, oferece uma reflexão pungente sobre os efeitos duradouros da ditadura, enfatizando que, apesar da anistia concedida aos torturadores, a luta por justiça persiste nas gerações subsequentes. Em suma, Ainda Estou Aqui é uma obra de grande importância, não apenas pela sua estética e narrativa envolventes, mas também por sua abordagem crítica e necessária sobre questões políticas e sociais, que continuam a ressoar na sociedade brasileira contemporânea.
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