A Substância (2024)

A Substância (2024)

O terror que explora a obsessão pela juventude, o auto-ódio e o sexismo na indústria do entretenimento.

por Giovani Zanirati.


A Substância (2024)
Direção: Coralie Fargeat
Roteiro: Coralie Fargeat
País: Estados Unidos, Reino Unido, França
Nota: 09/10

Um dos maiores destaques do gênero terror em 2024, A Substância apresenta uma abordagem perturbadora e exagerada sobre a mídia e os padrões de beleza sexistas que manipulam e destroem corpos e mentes femininas ao longo dos anos. Qualquer pessoa que viva em um sistema capitalista e patriarcal provavelmente já testemunhou nos comerciais e programas de televisão a imposição da imagem da "beleza perfeita" como um produto lucrativo e hipersexualizado, alimentando a demanda distorcida da sociedade.

Como consequência, o sistema transmite a mensagem de que o tempo é escasso e deve ser aproveitado, uma vez que, com o avançar da idade, todos se tornam descartáveis. A idade é vista como uma ofensa, um insulto capaz de desmantelar uma história e forçar, principalmente as mulheres — as maiores vítimas dessa realidade — a buscar soluções radicais em um esforço para resgatar a juventude e a beleza perdida.

Dirigido e escrito por Coralie Fargeat, o filme apresenta Elizabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz e apresentadora de um programa de fitness. No entanto, devido à sua idade, ela é descartada do programa, como se fosse um objeto sem valor. A forma humilhante como é demitida por um produtor desprezível (em uma performance convincente e excêntrica de Dennis Quaid, que, assim como todos os homens no filme são retratados como completos idiotas) representa o pior do sexismo presente na sociedade. Diante do desespero e do medo, ela decide experimentar uma substância misteriosa capaz de criar uma versão mais jovem e "perfeita" de si mesma.

É importante destacar que, devido à mensagem crítica explícita, a suspensão de descrença é necessária para que o público aceite a premissa. Desde o momento em que Elizabeth assiste a um vídeo caseiro sobre o tratamento até o uso da substância, tudo acontece de forma rápida e banal. A protagonista não questiona os riscos ao corpo, movida pela esperança de recuperar a imagem idealizada de si mesma. Isso ilustra o desespero de Elizabeth diante das humilhações e a sensação de impotência diante do seu maior inimigo: o tempo. Porém, o uso da substância exige o cumprimento de regras essenciais.

Após tomar a substância, Elizabeth sofre um desmaio e, de maneira brutal, sua coluna se abre, dando origem a uma versão mais jovem de si mesma, chamada Sue (Margaret Qualley). No entanto, para que o corpo de Elizabeth permaneça vivo, a substância deve ser reaplicada. Após sete dias, Elizabeth e Sue devem trocar de posições. Ou seja, a cada semana, elas vivem vidas completamente distintas, embora as orientações do tratamento afirmem que, mesmo com essa divisão, ambas continuam sendo uma só. Sue, então, assume o lugar de Elizabeth no programa, recebendo o carinho do público e a atenção do produtor, enquanto começa a se apaixonar por essa nova vida, gerando um conflito com a protagonista.

A obra transmite uma mensagem social poderosa sobre o sexismo e a indústria do entretenimento, que explora implacavelmente a imagem da mulher. No entanto, o filme vai além, abordando o medo do envelhecimento, a perda de confiança e o auto-ódio. Dessa forma, a não aceitação é entendido como um elemento essencial, que justifica todo o bizarro da obra, o que pode diferenciar do "body horror". A narrativa não deixa espaço para ambiguidades: o filme é direto em sua proposta e utiliza as duas personagens principais como representações de polos opostos. Enquanto a Elizabeth mais velha simboliza a vulnerabilidade, Sue, a versão jovem, é marcada pela hipersexualização.

A abordagem visual de Fargeat, com sua câmera frequentemente em planos fechados, cria um cenário desconfortável e criativo. Os closes nos corpos de ambas as personagens servem para evidenciar o desequilíbrio entre elas. Em Elizabeth, o drama gira em torno do auto-ódio, enquanto a existência de Sue intensifica essa sensação. O desconforto é palpável, especialmente quando Elizabeth, em um encontro com um amigo antigo, não consegue se satisfazer com a imagem refletida no espelho, comparando-se com Sue. Para a versão jovem, o uso quase abusivo da câmera nos corpos durante ensaios e danças com roupas curtas também gera desconforto. Afinal, não é isso o que o público consome? Não é isso o que a mídia vende?

À medida que o filme avança, o conflito entre as duas mulheres se intensifica. Elas começam a se ver como ameaças uma à outra, e, apesar de precisarem da outra para sobreviver, começam a sabotar-se mutuamente. Assim, o filme explora com maior profundidade o gênero "body horror", ampliando a estética visual minimalista e desconfortável. A transformação de Elizabeth, à la A Mosca (1986), reflete a auto-destruição, com o arrependimento e o medo se tornando ainda mais intensos. Algumas cenas chegam a parecer exageradas, mas isso só reforça a proposta distorcida do filme.

Com diversas referências ao terror, simbolismos e uma mensagem social contundente, A Substância é capaz de captar até aqueles que preferem assistir ao gênero sem se preocupar com questões mais profundas. A obra atende a diversas expectativas, especialmente ao incomodar, e embora não seja fácil de absorver, seja pela temática ou pela forma com que a aborda, ela se consolida como um filme relevante para os próximos anos. O debate e a reflexão fazem parte do processo de sua apreciação. Vale destacar também a excelente e emocionante performance de Demi Moore, que traz uma profundidade única à sua personagem, onde muito reflete a própria imagem e trajetória da atriz, como se o filme também tivesse sido idealizado pra ela.

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