Entenda o final de Coringa: Delírio a Dois (2024)
Nunca foi sobre o Coringa. Foi um filme sobre Arthur Fleck.
por Giovani Zanirati
Coringa: Delírio a Dois gerou um descontentamento notável entre críticos e público, apresentando uma combinação de musical desconexo e roteiro confuso. A obra de Todd Phillips desconstrói tanto a narrativa quanto o personagem do primeiro filme, que foi amplamente aclamado, recebendo prêmios significativos, como o Oscar de Melhor Ator para Joaquin Phoenix.
Neste segundo filme, conforme discutido em minha crítica, o cineasta optou por explorar a fragilidade emocional de Arthur Fleck. Após conhecer Harley, interpretada por Lady Gaga, Fleck experimenta uma fração de amor e calor humano. O Coringa, neste contexto, acende a revolta antissistêmica da população de Gotham, especialmente em Harley, que se internou em Arkham apenas para se encontrar com seu ídolo. Entretanto, essa idolatria emerge de um caminho profundamente equivocado.
Ao contrário da imagem aterradora que o Coringa projeta, Arthur Fleck é, na verdade, uma vítima de suas circunstâncias, marcada por inúmeras atrocidades. Em sua luta por aceitação e espaço na sociedade, ele cometeu seis assassinatos, incluindo um apresentador de TV, ao vivo. Para Fleck, esses atos não eram mais do que um delírio, uma forma de humor distorcido.
Ao longo dos dois filmes, Arthur experimenta diversas ilusões, desde encontros até o musical em colaboração com a personagem de Lady Gaga. Enquanto dançava e cantava, ele enfrenta o "Julgamento do Século", onde sua advogada tenta convencer o júri de que o Coringa é uma segunda personalidade, fruto da mente doentia. O objetivo da defesa era evitar a pena de morte, buscando uma internação em um ambiente mais seguro para tratamento.
Simultaneamente, Harley alimenta o ego de Fleck, ansiosa para "construir uma montanha" nas ruas de Gotham. O que o público realmente desejava era ver o Coringa provocando o caos em Gotham, como já ocorreu em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), de Christopher Nolan. Contudo, a versão do Coringa apresentada por Phillips não corresponde a essa expectativa. Na verdade, não se trata de uma origem do clássico Palhaço do Crime.
Durante o julgamento, Fleck decide se representar, fazendo um espetáculo para seus seguidores e para a amada. Porém, as coisas não ocorrem como ele esperava. Após sofrer um abuso brutal na prisão e testemunhar a morte de um jovem defensor pela polícia, ele aparentemente enfrenta um choque de realidade. Se antes era visto como um narcisista, no último dia de julgamento, vestido como Coringa, ele declara que essa persona não existe e que não se orgulha dos assassinatos que cometeu. Fleck anseia apenas por um novo começo, insinuando seu medo da pessoa que se tornou.
Essa revelação chocante, tanto para seus seguidores quanto para o público, define o propósito da trama. No tribunal, Harley e os demais se afastam, frustrados com a negação de Fleck em aceitar sua imagem como Coringa. A poderosa figura antissistêmica revela-se apenas como uma pessoa marcada pelo sofrimento. Tudo, então, revela-se uma farsa. No entanto, um evento altera o rumo da narrativa: uma explosão de uma bomba no edifício do julgamento. Fleck escapa, resgatado por dois admiradores, um dos quais ostenta a imagem de seu ídolo.
Durante a fuga, um aturdido Arthur ouve de um de seus seguidores que é hora de incendiar a cidade. Desesperado, ele abandona o carro e foge dos homens, até se encontrar com Harley em uma escadaria próxima de sua antiga casa. Esse encontro simboliza a maior dor de Fleck: Harley ama o Coringa, mas despreza Arthur Fleck. Para seus devotos, o Coringa é uma figura explosiva e poderosa; Arthur, por outro lado, é irrelevante. Diante de mais uma derrota em sua vida miserável, Fleck aceita a prisão, aguardando um novo julgamento em solidão.
No ato final do filme, um policial informa que Fleck tem uma visita. Ao encontrá-lo, é abordado por um prisioneiro desconhecido (interpretado por Theodore Martello), que deseja contar uma piada. Embora esse personagem apareça pouco e não tenha muitas falas, os olhares da câmera enfatizam sua importância, sugerindo que algo notável está prestes a acontecer. Ao contar uma piada a um desiludido Arthur, o prisioneiro o esfaqueia. A ausência de socorro para o ferido sugere que tudo não passava de uma armação, incluindo a visita.
Com Fleck morto, o psicopata inicia uma risada bizarra e, em seguida, corta sua própria boca com a faca. Para quem conhece a essência do Coringa, a cena indica o surgimento do verdadeiro vilão, o assassino frio e calculista, que representa uma grande ameaça para Batman ? A risada, a forma de falar, a ausência de um nome e origem, o assassinato, e o corte na boca tudo remete ao surgimento do Palhaço do Crime. Obviamente, trata-se de uma interpretação entre outras possíveis. Porém, fica evidente que a história nunca foi sobre o Coringa; foi sempre sobre Arthur Fleck e uma filosofia erroneamente interpretada que plantou uma semente para a origem do maior vilão da DC e dos quadrinhos neste universo do filme.
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