Coringa: Delírio a Dois (2024)

Coringa: Delírio a Dois (2024)

À Espera do Julgamento do Século: A definição de Arthur Fleck.

por Giovani Zanirati


Coringa: Delírio a Dois (2024)
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
País: Estados Unidos
Nota: 06/10

Independentemente de suas opiniões pessoais sobre o filme, é inegável que Coringa: Delírio a Dois é uma obra ousada e corajosa, desafiando os padrões dos blockbusters convencionais. Contudo, essas características não garantem que um trabalho seja, por si só, de alta qualidade; da mesma forma que um filme previsível não é automaticamente ruim. A qualidade de uma obra é definida por diversos fatores, desde o roteiro até os aspectos técnicos. Quais, então, são os problemas que cercam Delírio a Dois?

Primeiramente, trata-se da sequência de um filme de enorme sucesso em 2019, muitas vezes considerada desnecessária e oportunista para gerar lucros adicionais. Além disso, como mencionei na crítica do primeiro filme, a franquia lida com um gênero complexo, repleto de fãs exigentes e, em algumas ocasiões, tóxicos. Por essa razão, reforço que a sequência é, no mínimo, corajosa. Mas o que justifica essa característica?

Coringa (2019) cativou tanto os fãs da DC quanto os apreciadores de dramas psicológicos. Sua trama intensa, acompanhada de uma crítica social robusta e da atuação magistral de Joaquin Phoenix, conquistou prêmios e reconhecimento. O que se esperava, portanto, era uma continuação convencional, com a repetição da proposta original, apresentando Arthur e Harley Lee (Lady Gaga) incendiando Gotham City. No entanto, Todd Phillips realiza uma desconstrução do personagem e da narrativa ao apresentar uma obra mais contida, inserida no contexto de um musical temido pelos fãs, focando na fragilidade psicológica de Arthur.

Após os eventos do primeiro filme, onde matou cinco pessoas (seis, incluindo o assassinato da mãe, um detalhe que ninguém sabia), Arthur se encontra desolado no presídio de Arkham, aguardando o chamado "Julgamento do Século". Tornado alvo de piadas por policiais e detentos, ele permanece em silêncio, enquanto centenas de pessoas nas ruas idolatram a figura do Coringa. A vida de Fleck muda ao conhecer a enigmática Harley Lee, que demonstra uma adoração intensa por ele, inflando seu ego e fazendo-o sentir-se amado pela primeira vez.

Através do musical que faz sentido no delírio de Arthur Fleck, a imagem do Coringa se fortalece. Mas qual o significado desse amor e da idolatria que Harley e os revoltosos demonstram? Conforme evidenciado no primeiro filme, após anos de opressão e desilusão, ele reage à violência social e psicológica, matando três homens em um trem. Este ato de defesa é interpretado como o início de uma rebelião contra os ricos, acendendo várias revoltas em Gotham City. Por fim, ao assassinar Murray Franklin ( Robert De Niro), ao vivo, Coringa se torna um símbolo de anarquia (no sentido pejorativo) antissistêmica, inflamando o ódio e a revolta do povo de Gotham. No entanto, ao ser reverenciado por uma cidade em chamas, Arthur opta por dançar, em vez de proferir um discurso político.

Arthur não é um líder social. Ele não pretende mudar o sistema; é um indivíduo digno de pena, marcado por atrocidades ao longo da vida. Sua busca por reconhecimento se expressa através da arte. Assim, a morte do apresentador e a agitação em Gotham são, na verdade, um grande espetáculo cômico. Devido ao seu narcisismo, ele adora a devoção, mas de forma equivocada. As pessoas não estão interessadas em conhecer Arthur; elas desejam seguir a imagem do Coringa. Chega, neste caso, a ser muito triste imaginar que esse calor humano ao mesmo tempo simplesmente ignora o drama de Fleck.

Delírio a Dois reforça esse cenário, especialmente por meio dos musicais, enquanto Arthur enfrenta o Julgamento do Século. Sua advogada tenta convencer o júri de que o Coringa é, na verdade, uma segunda personalidade criada por uma mente perturbada para lidar com a violência que sofreu ao longo da vida. Essa abordagem busca salvar Arthur Fleck da pena de morte, diante da acusação representada por Harvey Dent (Harry Lawtey), o futuro Duas Caras, que acredita que tudo não passa de uma encenação. Contudo, essa metalinguagem distancia-se do estudo profundo de personagem apresentado no primeiro filme. Phillips parece incomodado pela idolatria do público a seu personagem e desafia essas percepções de maneira provocativa, como se quisesse ensinar as pessoas que a massa de fãs (do filme e da realidade) não entendeu nada.

Entretanto, essa trama audaciosa não se traduz necessariamente em qualidade. O público e a crítica demonstraram descontentamento. Esse sentimento negativo pode ser atribuído, em parte, ao fato de ser um musical. Existe um grande problema na conexão entre música, drama e audiência. As sequências musicais muitas vezes cortam o ritmo do filme em momentos críticos, prejudicando a fluidez da narrativa e resultando em repetições que limitam o impacto emocional. Em termos de atuação, Phoenix brilha mais uma vez, mesmo diante de um roteiro que, por vezes, parece desconexo. Ele retrata um indivíduo totalmente quebrado, nutrindo esperanças em relação ao amor errôneo da personagem de Lady Gaga, que traz uma interpretação misteriosa e contida como Arlequina. O desfecho reafirma a mensagem do cineasta: tudo gira em torno do narcisista e mentalmente destruído Arthur Fleck—e não de uma narrativa sobre o icônico Palhaço do Crime.

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