Coringa (2019)

Coringa (2019)

Uma análise do vilão que surgiu da violência social


por Giovani Zanirati


Coringa (2019)
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
País: Estados Unidos
Nota: 09/10

Criado por Bob Kane e Bill Finger em 1939, o jovem Bruce Wayne testemunha o assassinato de seus pais, Thomas e Martha, um evento que planta a semente da sua busca por justiça. Como Batman, vestindo a fantasia de um morcego, Bruce inicia sua luta contra o crime e a corrupção na fictícia Gotham City. No entanto, novos vilões surgem, ampliando o caos e os confrontos com o Homem-Morcego. O mais icônico deles é, sem dúvida, o enigmático Palhaço do Crime, o Coringa, que fez sua estreia em 1940. Seu visual foi inspirado no ator Conrad Veidt, que em 1928 estrelou o filme mudo O Homem que Ri.

Ao longo das décadas, o Coringa passou por diversas transformações nas histórias em quadrinhos e no audiovisual, deixando uma marca indelével na cultura pop. O que dizer de A Piada Mortal (1988), de Alan Moore, da atuação de Jack Nicholson em Batman (1989), de Tim Burton, ou da interpretação de Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), sob a direção de Christopher Nolan? Essas performances geraram debates profundos sobre o impacto e a origem do personagem, levando muitos a argumentar que o Coringa é, na verdade, uma criação da própria existência do Batman.

O filme Coringa, lançado em 2019, apresenta mais uma versão da origem do Palhaço do Crime, mas se destaca por sua singularidade, afastando-se das referências explícitas ao universo da DC e abraçando influências de clássicos como Taxi Driver (1976). Neste contexto, ao contrário da noção comum de que o Homem-Morcego gerou o Coringa, a narrativa sugere que o caos involuntário causado pelo vilão é que contribuiu para a emergência da figura do Batman. Ambientado nos anos 80, o filme segue Arthur Fleck, um homem com problemas psicológicos que o levam a rir em momentos inapropriados, enquanto tenta sobreviver como palhaço em uma sociedade que o marginaliza.

A realidade de Fleck é marcada pela desordem social. Ele enfrenta rejeição e violência constantes, o que o empurra para uma espiral de desespero. Em seu trabalho, sofre agressões de civis e desprezo de colegas e superiores. Seu sonho de se tornar um humorista parece distante, e em casa, lida com as delações de sua mãe sobre Thomas Wayne, sem amigos ou apoio, exceto por algumas sessões de terapia na busca por medicamentos.

Conforme sua sanidade se deteriora, Fleck começa a desafiar normas sociais, gerando um impacto caótico em Gotham City. Tudo acontece a partir de uma perspectiva pessoal, não necessariamente social. Após ser agredido por três jovens funcionários da Wayne Enterprises, ele reage e os mata, gerando uma repercussão midiática que divide a opinião pública, com alguns vendo seu ato como um grito de rebeldia contra os ricos. Essa situação desperta a indignação de Wayne, que, em sua visão meritocrática, classifica os rebeldes como "palhaços invejosos e fracos".

Joaquin Phoenix é o grande destaque do filme, encarando o desafio de interpretar um dos vilões mais emblemáticos dos quadrinhos para um público exigente e, muitas vezes, tóxico, à sombra da atuação magistral de Ledger em 2008. A entrega de Phoenix é visceral e perturbadora, capturando com maestria a vulnerabilidade e a loucura de Fleck. Seu comprometimento físico e emocional com o papel é digno dos elogios e prêmios que recebeu. O elenco de apoio, especialmente Robert De Niro, também oferece boas performances, mas frequentemente são ofuscados pela intensidade do ator principal.

Coringa se distingue dos filmes de super-heróis tradicionais. Ele transcende o gênero, apresentando uma narrativa crua sobre alienação, saúde mental e as realidades sociais. O filme habilmente conecta elementos de terror e humor, como na surpreendente e emblemática cena em que Fleck comete um assassinato do apresentador debochado, conduzida com maestria pelo diretor Todd Phillips. Apesar do peso social e político da obra, a visão de Fleck oferece uma perspectiva única. Assim como em A Piada Mortal, ele é resultado da degradação social e psicológica, mas não se apresenta como um líder em busca de transformação.

O clímax do filme, representado na penúltima cena, onde os revoltosos celebram Fleck em uma Gotham City em chamas, é revelador. Ao invés de proferir um discurso inflamado de ódio e luta, ele dança como um astro em um espetáculo macabro. Este Coringa é, portanto, tanto uma consequência de um sistema falido quanto um agente do caos que ele mesmo gera.


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