The Boys (HQ)
O doentio universo de Garth Ennis.
Por Giovani Zanirati
The Boys (2006- 2012)
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Russ Braun, Darick Robertson
País: Estados Unidos
Nota: 8,5/10
A HQ The Boys, criada por Garth Ennis, consiste em 72 edições lançadas entre 2006 e 2012, além de quatro edições especiais: Herogasm, Açougueiro, Rapazinho das Montanhas e Querida Becky. Os fãs da série, disponível na Prime Video, reconhecem a trama como uma sátira ao universo glamouroso dos super-heróis da DC e da Marvel. Nas décadas iniciais desse universo, as narrativas focavam em heróis que representavam o bem e a moralidade, servindo como exemplos para os jovens, e vilões maniqueístas. Contudo, Ennis desconstrói essa narrativa, contextualizando os heróis em um cenário distorcido. Criados por meio do Composto V, da Vought American, eles se tornam máquinas de guerra e lucro.
Esses super-humanos, portanto, não possuem lealdade nem um genuíno interesse pelo bem da humanidade. Embora alguns mantenham esse propósito, a maioria emerge de um ambiente corrupto e degradante, onde se considera superior à sociedade e ao sistema. Em decorrência disso, eles levam vidas regidas por normas distorcidas, buscando glorificar suas imagens para conquistar fama e riqueza. Seus excessos incluem comportamentos abjetos, como o uso de drogas e a promiscuidade, frequentemente desprovidos de consentimento. Eles são, assim, representados como bárbaros e cruéis, cometendo crimes como corrupção, abuso sexual, assassinatos e permanecendo impunes. Como o Capitão Pátria menciona, os humanos são meros brinquedos.
Portanto, The Boys vai além de uma simples sátira do universo heroico; é um espelho de nossa sociedade, cada vez mais desigual e cruel, onde indivíduos com poder econômico, sejam eles burgueses ou celebridades, cometem crimes hediondos e, após o pagamento de fianças exorbitantes e discursos moralizantes, recuperam sua liberdade, frequentemente exaltados por uma massa ignorante. Eles se sentem superiores, livres e desprovidos de responsabilidades. O especial Herogasm, por exemplo, retrata os supers em uma ilha durante um evento anual, utilizando drogas e promovendo orgias — mais uma vez, evidenciando a questão da falta de consentimento das mulheres. Como evitar comparações com a vida dos bilionários em nossa realidade?
Para enfrentar essa ameaça, tanto da Vought quanto dos supers, a CIA estabelece uma força-tarefa para monitorar, investigar e, se necessário, confrontar os poderosos do crime. Na trama, Ennis apresenta Billy Butcher como líder, uma figura reminiscentes do Justiceiro da Marvel, ao lado de Hughie, Filhinho da Mamãe, Fêmea e Francês, que compõem o grupo dos "Garotos".
Com um enfoque maior em Butcher e Hughie, o grupo se revela caótico, alimentado por uma sede de violência e uma noção distorcida de justiça. Butcher encarna o lado mais sombrio, marcado por uma tragédia relacionada ao Capitão Pátria e sua esposa, cujo passado é contextualizado de forma mais profunda no especial Açougueiro. Em contraste, Hughie representa uma abordagem mais contida e, em algumas situações, nobre, mas que, à medida que avança na trama, passa por transformações significativas.
Apesar de considerar a série superior às HQs, a obra de Ennis se destaca por sua qualidade. Ela entrega aos fãs aquilo que mais apreciam: crítica social, violência extrema, sexualidade e humor politicamente incorreto. Contudo, a narrativa oferece pouco espaço para o confronto entre os Garotos e Os Sete (o principal grupo de heróis, liderado pelo Capitão Pátria), uma vez que alguns arcos se concentram em outros grupos de heróis. Assim, em várias edições, Os Sete e o próprio Pátria são relegados a um segundo plano. Essa característica reflete uma abordagem comum, já que muitos leitores se depararam com os quadrinhos após o sucesso da produção da Amazon. Adicionalmente, alguns capítulos apresentam uma carga cerebral elevada, intensificando a conspiração política e resultando em diálogos expositivos que consomem tempo da narrativa.
É relevante destacar elementos específicos que não são abordados na série ou recebem pouca atenção, como alguns personagens. Terror, o cão de Billy, traz uma presença marcante nos quadrinhos, proporcionando momentos de humor; Linguiça do Amor, um super-herói russo nostálgico da URSS, apresenta uma estética que remete a Karl Marx. Entretanto, é Lenda, uma sátira de Stan Lee, que desempenha papéis cruciais para compreender a podridão de Os Sete, agindo como principal editor de quadrinhos que prioriza histórias que aumentam a empatia do público e o lucro.
Com diversos arcos, The Boys se destaca por sua postura corajosa e explícita. Não se trata de glamourização da violência ou da libertinagem, mas da necessidade de expor, de forma crítica e incisiva, um cenário cada vez mais presente nos holofotes da mídia e das redes sociais. É possível refletir e rir diante da ironia de Ennis, que brinca com a perspectiva doentia de parte da sociedade. Finalmente, na reta final, quando tudo parece estabelecido, ocorrem reviravoltas impactantes que representam o fio condutor da personalidade de Butcher e sua imensa rivalidade contra os supers, especialmente o Capitão Pátria.
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