Estômago (2007)

Estômago (2007)


por Giovani Zanirati



Estômago (2007)
Direção: Marcos Jorge
Roteiro: Fabrizio Donvito, Marcos Jorge, Lusa Silvestre, Cláudia da Natividade
País: Brasil, Itália
Nota : 10/10

É comum entre os (pseudo) cinéfilos um sentimento de desprezo pelo cinema nacional, como se a maioria das produções da nossa indústria cinematográfica fosse de qualidade inferior, especialmente em comparação com o mercado estadunidense. No entanto, alguns trabalhos se destacam de forma tão significativa que até mesmo os mais céticos acabam se rendendo. O Auto da Compadecida (2000) e Cidade de Deus (2002) são exemplos notáveis desse seleto grupo, que ganhou um membro em 2007 com o clássico Estômago.

Ao contrário dos filmes mencionados, que assisti no cinema, Estômago foi visto pela primeira vez por sorte, em uma daquelas programações noturnas da Rede Globo. Na época, também carregava preconceitos em relação ao cinema brasileiro, mas minha percepção mudou radicalmente após assistir a essa obra do cineasta Marcos Jorge.

O filme narra a história de Raimundo Nonato (João Miguel), um tímido imigrante nordestino que chega a São Paulo sem recursos e amigos. Sua trajetória se desenrola em duas linhas do tempo: uma constrói a ascensão e queda do personagem como cozinheiro, e a outra explora os eventos do presente, quando ele está preso. Essa estratégia mantém o mistério e a tensão ao longo da trama, revelando gradualmente os segredos e motivações de Nonato.

A história começa quando o rapaz chega a um bar pouco convidativo e consome duas coxinhas sem pagar e, como resultado, é obrigado a limpar a cozinha do proprietário, Zulmiro (Zeca Cenovic). Sem muitas opções, aceita trabalhar como cozinheiro em troca de alimentação e um quarto. Apesar de não saber fritar pastéis, ele aprende rapidamente e se torna fundamental para o crescimento do bar, conquistando o respeito e o interesse da prostituta Íria (Fabíula Nascimento) e também do dono de um restaurante italiano, Giovanni (Carlos Briani).

No presente, Nonato se encontra em uma prisão, onde seu crime não é mencionado diretamente, mas é possível deduzir sua natureza ao longo do filme. Na cadeia, ele está em uma cela com outros detentos, liderados por Bujiú, interpretado pelo excelente Babu Santana, um dos presos mais respeitados. Gradualmente, Nonato utiliza sua malícia e habilidades culinárias para ganhar respeito e estabelecer sua posição na prisão.

O filme explora uma ampla gama de gêneros, incluindo humor, drama e suspense, aprofundando a complexidade da natureza humana, entre ingenuidade e selvageria, com ênfase na sólida construção de Nonato. Ele conduz a proposta do filme, apresentando-se como um indivíduo inicialmente bobo, mas que passa por uma significativa transformação, envolvendo uma degradação moral e social.

Esse desenvolvimento é marcado pelo choque com a grande cidade, onde o contexto social intensifica seus conflitos internos. Assim como na cozinha, Nonato adapta suas estratégias, manipulando de maneira inocente para alcançar objetivos maliciosos. Sua trajetória reflete as dificuldades enfrentadas por imigrantes e pelos menos privilegiados em grandes cidades. Assim, a obra retrata a corrupção, a violência e a exploração urbanas, contrastando com o desejo de ascensão social e a busca por uma vida melhor.

Dessa forma, a comida transcende o mero meio de sobrevivência para Nonato; ela se transforma em uma metáfora para poder e controle. Sua habilidade culinária oferece uma forma rara de ascensão social, geralmente inacessível aos imigrantes e menos favorecidos. A cozinha se torna um campo de batalha onde ele utiliza criatividade e habilidade para manipular e seduzir os ao seu redor. Por consequência, o filme usa a comida para explorar a ambição e a natureza humana, destacando como as pessoas podem usar suas habilidades para superar barreiras sociais e pessoais.

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