A Libertação (2024)

A Libertação (2024)


Entre o drama familiar e o sobrenatural


por Giovani Zanirati



A Libertação (2024)
Direção: Lee Daniels
Roteiro: Lee Daniels, David Coggeshall
País: Estados Unidos
Nota: 06/10

Um filme de terror que conquistou uma posição no Top 10 da Netflix Brasil por, pelo menos, duas semanas é "A Libertação". Como esperado, o longa gerou intensas discussões nas redes sociais, sobretudo por sua alegada inspiração em fatos reais. Essa premissa sempre desperta a curiosidade do público e, no caso deste filme, não foi diferente.

Desde então, meu interesse por esta obra cresceu, especialmente por estar sob a direção de Lee Daniels, cineasta conhecido por suas incursões no drama, mas que aqui se aventura na fusão entre horror e melodrama. Em um movimento inicialmente distante do convencional para o gênero, "A Libertação" se destaca por explorar o drama familiar e social com profundidade, dando atenção cuidadosa à construção de seus personagens centrais.

A trama gira em torno de Ebony Jackson (interpretada por Andra Day), uma mulher que enfrenta uma série de adversidades pessoais e familiares, o que afeta diretamente sua relação com os três filhos: Nate (Caleb McLaughlin), Shante (Demi Singleton) e o pequeno Andre (Anthony B. Jenkins). Com o pai das crianças distante, servindo no Iraque, Ebony se vê imersa em dificuldades financeiras e emocionais. Para agravar ainda mais a situação, sua mãe, Alberta (vivida por Glenn Close), passa a morar com a família durante seu tratamento contra o câncer.

A relação tumultuada entre Alberta e Ebony constitui o núcleo dramático mais bem trabalhado da narrativa. A história entre as duas é marcada por um passado sombrio e questões religiosas, que permeiam o presente de forma redentora e traumática. Aparentemente, o alcoolismo de Ebony e o alto nível de tensão que vive são reflexos diretos de sua criação difícil ao lado da mãe.

Curiosamente, o filme utiliza apenas uma vez o recurso do flashback para ilustrar essa relação, deixando muito para a imaginação do espectador. No entanto, após iniciar o tratamento do câncer, Alberta encontrou na religião um caminho para se redimir, o que, mesmo assim, não impede Ebony de culpá-la por seus problemas, principalmente quando Alberta tenta interferir na criação dos netos.

Mas, afinal, onde está o horror ? De forma lenta e gradual, enquanto o drama familiar se desenvolve, pequenos eventos sobrenaturais começam a surgir. Odores estranhos, batidas inexplicáveis pela casa, portas que se abrem sozinhas e, acima de tudo, o comportamento perturbador do filho mais novo começam a compor o cenário de tensão crescente.

Essa costura entre o drama e o sobrenatural é um dos aspectos mais interessantes da obra, à medida que o sobrenatural se manifesta gradualmente, dando margem à dúvida: seriam esses fenômenos reais ou fruto da mente perturbada de nossa protagonista? Um exemplo disso ocorre quando os filhos aparecem com machucados inexplicáveis, o que desperta o temor de uma Assistente Social rigorosa, adicionando uma camada de suspense ao enredo.

A narrativa, apesar de ter seus momentos altos e baixos, funciona em grande parte. Há cenas que soam repetitivas, especialmente nas constantes discussões familiares e nos diálogos religiosos que podem se tornar cansativos. Entretanto, o elenco merece destaque pela forma precisa com que captura as crises emocionais, além de momentos mais leves, como a celebração do aniversário de Shante.

Infelizmente, o filme sofre uma queda significativa em seu clímax. Lee Daniels opta por um desfecho previsível, repleto de clichês do gênero de possessão. Sim, aqui entra um pequeno spoiler: o filme recorre à figura do possuído com os tradicionais movimentos e falas bizarras, somados à aparição de um personagem que surge repentinamente para explicar o passado sombrio da casa. A redenção religiosa da protagonista, até então uma mulher sem fé, encerra o ciclo de forma insatisfatória, arrastando o filme para um final excessivamente simplista. Essa escolha compromete o potencial de uma obra que começou de maneira promissora, com um elenco sólido e uma abordagem criativa.

Em suma, "A Libertação" se perde em sua própria ambição ao apostar em soluções fáceis e desgastadas, deixando de explorar com mais profundidade o drama familiar e o terror psicológico que inicialmente se apresentavam como os pontos mais interessantes do filme.

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