Nós (2019)

Nós (2019)


por Giovani Zanirati


Nós (2019)
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
País: Estados Unidos
Nota: 09/10

Em 2019, com o lançamento de Nós (2019), Jordan Peele consolidou-se como um dos principais cineastas contemporâneos no gênero terror, equiparando-se a John Carpenter, o mestre por trás de Halloween: A Noite do Terror (1978). Após o sucesso de Corra! (2017), que combinava suspense, terror e crítica social, Peele refinou suas habilidades em Nós. Este filme oferece uma narrativa repleta de metáforas e interpretações complexas, ao mesmo tempo em que proporciona um eficaz terror psicológico, atraindo uma ampla gama de espectadores.

A trama segue uma família que viaja para uma casa na Califórnia, planejando um fim de semana na praia. Desde o início, o filme estabelece bem as personalidades dos protagonistas: o pai, Gabe Wilson (Winston Duke), é extrovertido e simpático, enquanto a mãe, Adelaide Wilson (Lupita Nyong'o), é mais reservada e relutante em relação à viagem, devido a traumas passados dos anos 80, mencionados nos primeiros minutos da história.

Esse contraste de personalidades torna-se ainda mais evidente na praia, quando Adelaide começa a temer o desaparecimento de seu filho mais novo, Jason (Evan Alex). Ao retornar para casa à noite, a família se depara com uma imagem bizarra e aterrorizante: quatro indivíduos, incluindo duas crianças, estão parados em frente à residência.

Quando esses intrusos invadem a casa, a família entra em choque ao descobrir que os invasores são, na verdade, suas cópias. Sem qualquer explicação, as cópias começam a aterrorizar a família, que tenta desesperadamente escapar.

O filme estabelece uma premissa clara: um thriller de suspense e terror centrado na perseguição e na luta pela sobrevivência. Destaca-se pelo clima de tensão e violência, habilmente construído pelo roteiro e pela direção de Peele. A obra é enriquecida pela fotografia, pelo enquadramento da câmera e pela inquietante trilha sonora de Michael Abels.

O comportamento sinistro das cópias, especialmente de Red (a líder delas), também interpretada por Lupita Nyong'o, é particularmente aterrorizante, com o uso de tesouras como armas e sorrisos e gestos macabros que intensificam o desconforto do espectador. Além disso, assim como em Corra!, Peele insere momentos de alívio cômico, especialmente através da figura do pai. Dessa forma, Nós é um filme impactante e envolvente do início ao fim.

No entanto, o filme oferece mais do que apenas terror e entretenimento. É uma trama complexa, cuja compreensão completa exige múltiplas visualizações para decifrar todas as nuances, metáforas e críticas. Cada elemento do filme carrega um significado profundo, como as tesouras, as mãos dadas entre as cópias, a mensagem bíblica, a sala dos espelhos e os coelhos.

A grande questão gira em torno das cópias e de seus objetivos. Elas pertencem a uma civilização esquecida pela sociedade "original", representando uma alegoria fantástica das divisões sociais impostas pelo sistema. Elas personificam o medo da ameaça externa que, paradoxalmente, é interna. Vivendo no submundo e oprimidas, as cópias são privadas dos direitos e prazeres da vida cotidiana.

O filme pode ser interpretado como um reflexo da sociedade e uma crítica ao neoliberalismo estadunidense, explorando as paranoias e medos da sociedade em relação a seus inimigos e ao instinto de proteger o que é próprio. É um retrato do estado de alerta contemporâneo e da tendência a ver todos como potenciais ameaças, o que, paradoxalmente, pode revelar o pior de nós mesmos.

Os menos atentos ao título original do filme, cuja carga simbólica é rica e provocadora, e que é conduzido com grande intensidade, poderão não perceber o jogo de palavras significativo, onde “Us” também se refere à nação cheia de contradições: os "United States".

Em conclusão, Nós se revela um filme poderoso, inquietante e ao mesmo tempo divertido. A atuação de todo o elenco é exemplar, sem que nenhum personagem se desvie da qualidade geral. Contudo, a presença de Lupita Nyong'o é particularmente marcante, seja no papel de uma mãe que se transforma radicalmente na luta pela sobrevivência de sua família, seja como sua cópia sinistra, com uma voz falha e sorrisos e olhares penetrantes.

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